Proposta de Mudança na Legislação de Energia Solar

Rotineiramente somos surpreendidos com novas notícias sobre uma nova revisão da Resolução Normativa 482/2012 (REN 482/2012) publicada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) em abril de 2012. Nela foi estabelecida as condições gerais para o acesso de microgeração e minigeração distribuídas aos sistemas de distribuição de energia elétrica e o sistema de compensação de energia elétrica. 

Foi o marco regulatório para o setor de energia solar fotovoltaica e todas outras fontes enquadradas em geração distribuída, no entanto uma nova mudança na legislação de energia solar está prevista para acontecer muito em breve.

A primeira alteração na Resolução Normativa 482/2012

Sua primeira alteração ocorreu em novembro de 2015, através da Resolução Normativa 687/2015 (REN 687/2015). Nessa alteração, a ANEEL propôs uma série de mudanças, dentre as principais:

  • Alteração do nível de potência para enquadramento em microgeração: menor ou igual a 100 kW para menor ou igual a 75 kW;
  • Alteração do nível de potência para enquadramento em minigeração: superior a 100 kW e menor ou igual a 1 MW para superior a 75 kW e menor ou igual a 3 MW para fontes hídricas ou menor ou igual a 5 MW para outras fontes qualificadas;
  • Diminuição do prazo para emissão do parecer de acesso: o parecer de acesso deveria ser emitido em até 30 dias para todos os casos. Passa para 15 para os enquadrados como microgeração;
  • Eliminação da cobrança pelos custos de adequação do sistema de medição para os enquadrados em microgeração. A cobrança para substituição do medidor continua sendo cobrada para empreendimentos enquadrados como minigeração;
  • Inclusão do modelo de empreendimento com múltiplas unidades consumidoras, onde várias unidades consumidoras, na mesma localidade ou em local distinto, compartilham uma fração da energia elétrica gerada;
  • Inclusão do modelo de geração compartilhada, caracterizada pela reunião de consumidores, por meio de consórcio ou cooperativa, que compartilham a energia elétrica gerada entre diferentes unidades consumidoras, localizadas na mesma área de concessão ou permissão;
  • Inclusão do modelo de autoconsumo remoto, onde é feita a compensação de energia excedente em diferentes unidades consumidoras, da mesma titularidade e dentro da mesma área de concessão ou permissão;
  • Fixou-se o prazo até dia 31 de dezembro de 2019 para a ANEEL revisar esta Resolução.

Tais mudanças foram cruciais para o crescimento do setor, é tanto que se observa grande crescimento das unidades conectadas a partir de então. Para se ter uma ideia dessa amplitude, até o fim 2015, considerando apenas a usinas fotovoltaicas enquadradas como geração distribuída, o Brasil possuía apenas 1.821 usinas, gerando créditos para 2.091 unidades consumidoras. A potência total instalada era pouco mais de 14.3 MW.

No ano seguinte à publicação da REN 687/2015, lembrando que sua publicação foi em 24 de novembro de 2015 mas sua vigência iniciou-se apenas 1º de março de 2016, foram conectadas 6751 usinas fotovoltaicas, atendendo 7.612 unidades consumidoras com potência total de quase 54 MW, ou seja, no primeiro ano após a publicação da primeira alteração na REN 482/2012 a potência instalada e o número de unidades consumidoras atendidas cresceram mais de 300% em relação ao que já existia até então.

Mas o mercado não parou por aí. Nos anos seguintes observou-se gradual crescimento no número de unidades conectadas e potência instalada. Em 2019, motivado principalmente pela diminuição no custo para implantação dessas usinas, disponibilização de novas linhas de crédito e maior ambientação à tecnologia, encerramos o ano com 161.853 usinas solar instaladas, compartilhando a energia elétrica gerada com 203.660 unidades consumidoras e potência total instalada de aproximadamente 1876.40 MW, destes, somente em 2019, tivemos 103.996 novas conexões, atendendo 131.947 unidades consumidoras e impressionantes 1285.40 MW de potência total instalada.

Esclarecemos que a geração distribuída não contempla apenas a geração a partir de usinas solares fotovoltaicas. Usinas eólicas, biogás, biomassa, centrais geradoras hidráulicas e pequenas centrais hidrelétricas também se enquadram em Geração Distribuída, desde que respeitem o limite de 5 MW (3 MW para fontes hídricas). No entanto, todas essas juntas representam hoje 8.5% da potência total instalada e apenas 0.5% do total de unidades consumidoras conectadas. Todos esses dados estão disponíveis na plataforma PowerBI Geração Distribuída da ANEEL.

Nova mudança na legislação de energia solar

Como foi previsto na REN 687/2015, no ano de 2019 a ANEEL deveria revisar novamente a regulamentação da geração distribuída no país. Para tanto foram convocadas várias consultas públicas para discutir sobre o tema. O ponto chave da discussão está no quanto e quando realizar uma cobrança sobre as unidades consumidoras enquadradas na geração distribuída.

Alternativas

Já nas primeiras consultas públicas foram apresentadas Alternativas de como tal cobrança seria realizada. Essas Alternativas compreendem quais parcelas dentro da Estrutura Tarifária seria de responsabilidade do consumidor qualificado com geração distribuída.

Mas antes de detalhar quais são essas Alternativas é importante saber como é composta a Estrutura Tarifária na fatura de energia elétrica.

Estrutura Tarifária da energia elétrica

A Estrutura Tarifária é definida através dos Procedimentos de Regulação Tarifária (PRORET) submódulo 7.1, regulamentado pela ANEEL. Basicamente o valor pago por kWh é definido pelo conjunto de custos relativos ao transporte, perdas, encargos e o custo da energia comprada para revenda pela distribuidora. Todos esses custos são integrados para compor duas parcelas da tarifa: Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e Tarifa de Energia (TE).

Os custos envolvidos na composição da TUSD incluem a TUSD Transporte, subdivida em TUSD FIO A e TUSD FIO B, a TUSD Encargos e a TUSD Perdas. A TUSD FIO A cobre os custos envolvidos na utilização de ativos de terceiros (aqueles responsáveis por entregar a energia elétrica para a distribuidora), a TUSD FIO B os custos envolvidos no uso de ativos da própria distribuidora, a TUSD Encargos os custos em Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética (P&D_EE), contribuições ao Operador Nacional do Sistema Elétrico, quota da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e no Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA). Já a TUSD Perdas envolve as perdas técnicas, não-técnicas e na rede básica. A figura abaixo ilustra todos esses componentes tarifários:

Componentes da Parcela Tarifária - TUSD

Já a parcela TE é subdivida em TE Energia, TE Encargos, TE Transporte e TE Perdas. A TE Energia refere-se ao custo pela compra de energia elétrica para revenda ao consumidor, a TE Encargos recupera os custos com Encargos de Serviços de Sistema (ESS) e Encargo de Energia de Reserva (EER), P&D_EE, Contribuição sobre Uso de Recursos Hídricos (CFURH) e quota CDE. A TE Transporte refere-se aos custos de transmissão entre Itaipu e a Rede Básica de Itaipu. A TE Perdas recupera os custos com perdas na Rede Básica. A figura abaixo ilustra como esses postos são agrupados.

Componentes da Parcela Tarifária - TE

Como vimos, a Estrutura Tarifária é bem complexa, e serve para definir quanto será cobrado pelas distribuidoras e o que será remunerado para cada empresa ou instituição. A fatura que chega aos consumidores é bem mais simples. Aos consumidores do grupo A, a parcela TUSD é cobrada na forma de demanda contratada (kW) conforme posto tarifário (ponta e fora-ponta) e modalidade (azul ou verde), e a parcela da TE é cobrada na forma de consumo (kWh), ainda conforme posto e modalidade. Já os consumidores enquadrados no grupo B pagam uma tarifa baseada apenas no consumo, composta pela TE, no entanto este valor é mais alto do que o aplicado aos consumidores do grupo A.

Agora que já sabemos o que é TUSD e TE vamos conhecer as Alternativas propostas pela ANEEL. Essas Alternativas basicamente definem quais os custos serão cobrados dos consumidores que possuem geração distribuída instalada. Os consumidores são divididos em GD Local, onde a geração é instalada junto a carga de consumo e GD Remota, onde a instalação é realizada num local diferente de onde está a carga. Foram propostas seis Alternativas, de 0 a 5. Quanto menor o número, menor a participação do consumidor. A tabela abaixo mostra quais são essas Alternativas:

Alternativas Geração Distribuíida - ANEEL

Nesta tabela podemos observar quais são estas Alternativas propostas pela ANEEL e qual a porcentagem será recuperada pelo consumidor da energia injetada na rede. A taxação proposta é aplicada apenas ao excedente de energia produzida e injetada na rede. Desta forma, caso o consumidor esteja enquadrado na Alternativa 2 e produza 100 kWh excedentes, ele poderá compensar apenas 67 kWh e 33 kWh serão entregues a concessionária sobre a prerrogativa de taxa para cobertura dos custos. Os dados foram validados na planilha apresentada na última consulta pública.

Na Consulta Pública nº 25/2019 foi apresentada uma minuta, onde a ANEEL propôs para os consumidores enquadrados como GD Local, que já protocolizaram a solicitação de acesso antes da publicação da norma, estariam sujeitos às regras atualmente vigentes até 31/12/2030. Aos que protocolizarem a solicitação após a publicação da norma seria aplicada a Alternativa 2, alterando para a Alternativa 5 quando fosse atingido um gatilho, a potência adicional de 4.7 GW em GD Local nacionalmente. Já para aqueles consumidores enquadrados em GD Remota, que antes da publicação da norma formularem a solicitação de acesso, enquadrariam nas regras atuais até 31/12/2030. Aqueles com solicitação de acesso após a publicação da norma seria aplicada a Alternativa 5. Veja os detalhes da Nota Técnica nº 78/2019-ANEEL clicando aqui

Quando analisamos o correspondente percentual da geração distribuída em relação a matriz energética brasileira vimos o quanto ela ainda é pequena. Com potência total instalada em Geração Distribuída de pouco mais de 2 GW, esta representa pouco mais de 1.2% da potência total instalada (aproximadamente 170 GW) na matriz brasileira. 

Considerando que em 2018 o consumo de energia elétrica em todos o país foi de 312.703,7 GWh, que ao fim daquele ano tínhamos uma potência de 590.790,7 MW, exclusivamente de usinas solares, as quais são capazes de produzir cerca de 1.400 kWh/kWp/ano e que o preço médio do MWh foi de R$474,99, sem considerar impostos, concluímos que as concessionárias perderam em receita cerca de 1.25 bilhões de reais naquele ano. Quando comparamos com a receita anual proveniente do fornecimento de energia elétrica que somente em 2018 foi superior a 148 bilhões de reais, notamos que a perda em receita não chegou a 1%. Os dados foram retirados do Relatório SAS da ANEEL.

Este talvez seja o maior motivo para provocar uma movimentação das concessionárias no sentido de dificultar o acesso a produção própria de energia elétrica, embora justifiquem outros motivos.

Todos nós queremos produzir a energia elétrica que consumimos, de forma limpa, renovável e sustentável, com uma regulação que proteja os interesses da coletividade, não apenas das concessionárias. Portanto seguimos apoiando a campanha #taxarosolnão.

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